A doação que humilha

Ajudar alguém a suprir suas necessidades é considerado um ato nobre. Aliás, muitas pessoas chegam a acreditar, erroneamente, que o simples fato de apenas serem benevolentes com o próximo, realizarem doações ou fazerem um trabalho voluntário, por exemplo, lhes garantirá ser bem visto por Deus. Mas, além disso não ser uma verdade, hoje vemos pessoas se aproveitando desses momentos para se exibir ou menosprezar o outro.

Recentemente uma ação social ganhou destaque. Não pela benevolência prestada pela prefeitura do município de Anapurus, no Maranhão, mas pela maneira desumana em que parte da ação foi realizada. O vídeo que viralizou nas redes sociais começa com dezenas de moradores se aglomerando na traseira de um caminhão à espera da doação de peixes, realizada na Semana Santa.

Ao invés de uma distribuição organizada, respeitosa e preservando a dignidade humana, o servidor público joga o alimento na direção das pessoas sem qualquer consideração, enquanto um locutor ironiza dizendo “está chovendo peixe. Olha a chuva de peixe”. Em questão de segundos, os moradores só veem uma opção para saírem dali com o donativo: se ajoelharem em meio à multidão ou se colocarem embaixo do caminhão para recolher os peixes caídos no chão. Uma situação humilhante, desumana e constrangedora para qualquer pessoa, ainda mais para quem já se encontra em uma posição de vulnerabilidade.

Pessoas nessas condições acabam fragilizadas e podem ser facilmente dominadas por quem está mal-intencionado. No entanto, eventualmente necessitar de ajuda de amigos, familiares, instituições, igrejas ou do próprio Governo não significa que a pessoa deve se submeter a situações vexatórias. Até porque isso não pode ser sinônimo de abrir mão de sua dignidade como ser humano; tampouco quem estende a mão não tem o direito de humilhar somente pelo fato de ter condições de ajudar ou doar algo.

Esse episódio também ressalta a relação da sociedade com o Governo. Sempre destacamos a importância de fiscalizar o trabalho dos políticos eleitos para que façam um trabalho excepcional, mas os servidores públicos – sejam concursados ou comissionados – também têm o mesmo papel de servir a população da melhor maneira e precisam ser fiscalizados. O trabalho realizado pelos políticos e servidores não é um favor. Eles estão ali para servir o cidadão, jamais o contrário. servidores não é um favor. Eles estão ali para servir o cidadão, jamais o contrário. Tanto que, ao ter conhecimento do ocorrido, a prefeita de Anapurus, Vanderly Monteles (PCdoB), se pronunciou nas redes sociais com um pedido de desculpas e afirmou que o ocorrido foi um fato isolado.

Há uma orientação bíblica sobre o ato de fazermos algo pelo próximo, seja saciar a fome ou a sede, seja o vestir, oferecer abrigo ou visitar o enfermo.

O ato deve ser feito com cortesia e amor à pessoa que temporariamente está passando por aquele infortúnio. A doação jamais pode humilhá-la, muito pelo contrário.

Nos Evangelhos, quando lemos os relatos em que Jesus entregou os pães e peixes à multidão, após o milagre da multiplicação a partir dos cinco pães e dois peixinhos, Ele pediu para que as pessoas se organizassem em grupos e orientou Seus discípulos a distribuírem o alimento com disciplina e que, muito provavelmente, foi feito com empatia, carinho e respeito também. Essa é a verdadeira doação: quando enxergamos àquele que recorre a nossa mão estendida como o Próprio Senhor Jesus e tendo prazer em servir.

Mais do que estender a mão para suprir as necessidades do próximo é preciso também oferecer recursos para que ele não dependa de ajuda constantemente, mas, que, num futuro próximo, possa ser ele a ajudar o outro. Afinal, o peixe sacia a fome momentaneamente, mas quando se ensina a pessoa a pescar, a fome que a aflige é saciada permanentemente e sem a necessidade de terceiros e, quando o cidadão se emancipa, ele tem melhores condições de fazer boas escolhas, inclusive políticas.

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Redação / Foto: reprodução